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Refletindo e traçando relações extra-sensorias com aquilo que se coloca por detrás de uma das obras mais espetaculares da arte conceitual

Elaborada no ano de 1965 e exposta ao público em 1970, no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), a obra “Uma e três cadeiras”, do conceptualista norte-americano Joseph Kosuth tem como característica principal a formação de um caráter artístico plutilinguístico, exemplificado pela mescla de três diferentes elementos que dizem respeito a uma mesma essência conceitual. As formas dialógicas da obra de Kosuth, representadas, fundamentalmente, pelas dimensões imagética, linguística e extralinguística, exploram as percepções sensoriais de seus espectadores/leitores, estimulando-os a conceber diferentes visões sobre a mesma arte apresentada.

Exemplo fidedigno da arte conceitual, a obra de Kosuth se notabilizou como representação artística que o conceitualista sempre defendeu ao longo de sua carreira. Para ele e tantos outros artistas conceituais, a arte precisa se estabelecer como fonte de informação, e não como concepção, meramente, estética. Priorizar o conceito, ao invés de venerar a face estética é o principal modus operandi adotado por Kosuth para a criação de sua obra. Em termos estruturais, ela se divide em três diferentes elementos: uma cadeira comum, dobrável e de madeira; uma fotografia em prata coloidal da mesma cadeira, ampliada e tirada de dentro da própria galeria; e uma fotocópia de uma definição da palavra “cadeira”, retirada de algum dicionário de língua inglesa.

A cadeira de madeira, colocada no centro da obra e apresentada como ideia física, é compreendida como exemplo da prática de ready-made, já que o artista se apropria de algo que já estava feito, realizado com finalidade prática, para elevá-lo à categoria de obra de arte. Com isso, a cadeira é tirada de seu contexto usual e recolocada em um ambiente de museu, provocando a ressignificação do objeto “cadeira” e, como elemento pertencente a uma obra de arte, a desobjetificação do objeto como tal. Ou seja, a privação de sua função principal – agora compreendida como objeto a ser analisado e não sentado em cima.

Por sua vez, a fotografia da cadeira, identificada como forma representativa do objeto e posicionada à esquerda da “cadeira física”, desperta questionamentos acerca da verdade e da imitação do espaço em um museu, isto é, brinca com a ideia de representação característica de uma obra de arte dentro de um local que apresenta as mais variadas formas de representação da realidade.

Já a fotocópia da definição da palavra “cadeira”, fixada na parede, à direita do objeto, e apresentada como forma verbal do elemento principal da obra de arte, traz para a análise conceitual a natureza linguística da proposta artística idealizada por Kosuth. Nesse sentido, a fotocópia estabelece a fronteira entre aquilo que nos é apresentado como real e único e aquilo que encaramos de maneira indireta e imagética, construído, essencialmente, em nossas mentes.

O interessante da obra de Kosuth, é que, analisando os diferentes elementos que a compõem, compreendemos que não existe um objeto artístico único nessa concepção. As diferentes formas utilizadas para se contextualizar o elemento principal da obra – a cadeira – são apenas artifícios a serviço da ideia idealizada pelo artista. Assim sendo, a partir de três corpos, monta-se uma obra inteira. Ao observar a obra de arte e, por conseguinte, as três formas de apresentação ali delineadas, surge no espectador a seguinte pergunta: em qual desses três elementos, desenvolve-se a verdadeira identidade do objeto da obra? Em um deles, em alguns, em todos ou nenhum?

A relação entre os elementos é indissolúvel e cada um deles é fragmento material da própria realidade. Os objetos mantêm uma ligação entre eles, no qual o elemento concebido na obra entra numa dimensão mais ampla, constituída pelas perspectivas que a compõem como forma imagética e linguística. A cadeira, apresentada de maneira visual através do objeto e da foto, mantêm uma relação com a sua representação linguística. Caso o espectador se dirigir à parede e centrar a sua visão à definição da palavra cadeira, ele formará em sua mente a ideia imagética de cadeira que viu anteriormente. Agora, se ele ler a mesma definição sem ter a cadeira ao seu lado ou sem ter visto ela antes, ele tirará seus olhos do objeto em si, e aproximará, dessa maneira, a ideia de cadeira em sua mente. Eleva-o, assim, além do simples reconhecimento.

Nesse contexto, Kosuth se assemelha à teoria estipulada pelo filósofo francês Jean Paul Sartre, que definiu os diferentes campos que se apresentam na relação entre imagem e coisa. Na definição de Sartre, existem dois campos que regem a propriedade de um objeto: o plano da imagem, constituído pela cor, forma e posição do objeto que forma em sua mente, e o plano real, sinalizado pelo objeto em sua essência física. Sintetizando a filosofia do francês à obra de Kosuth, podemos afirmar que os três elementos de “Uma e três cadeiras” mantêm a mesma identidade de essência, mas não de existência, já que são diferentes em formas de apresentação. Assim, todos elementos tem autonomia de cada parte do corpo e, por meio da construção discursiva verbo-visual, desencadeiam uma ligação de sentidos, contribuindo para a própria compreensão do título da obra. Portanto o que Kosuth faz é estimular o espectador a interagir com a obra de arte, trazendo a sua própria ideia de cadeira para a discussão. Essa intenção do conceptualista é ratificada no próprio título da obra, que sugere quatro cadeiras, e não três: a apresentada na sua forma física, a representada através da fotografia, a explicitada por meio da definição e, a mais importante de todas, aquela que é formada na cabeça e na reflexão de cada espectador e leitor que se entretêm com a obra – característica que não é levada, normalmente, em conta pelos parâmetros estéticos do idealismo artístico.

Em tese, Kosuth não é um simples artista conceitual. Ele vai muito mais além. Suas obras de arte o elevam a um patamar elaboracional heteróclito. Ele pensa de maneira plural e dinâmica, conciliando diferentes formas e produzindo, acima de tudo, uma concepção extraordinária para cada uma de suas representações artísticas. “Uma e três cadeiras” é tampouco uma simples obra de arte. igualmente a seu autor, na obra não se trata apenas de apresentações diversas de um mesmo elemento. Paralelamente à própria origem, a obra nada mais é que a representação mais fidedigna do próprio modo pensante do artista que a concebeu: magnífico.

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